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O Bode Expiatório

Por Carla Peralta em

Hoje começo este texto contando-vos uma história que está escrita no Antigo Testamento, em Levítico, que descreve o processo de projeção de uma forma incrível. O Bode Expiatório.

A história diz o seguinte:

Foi dito aos filhos de Israel o que fazer no dia do perdão, Yom Kippur. No dia do perdão precisavam reunir-se à volta de Aarão, que era o Sumo Sacerdote e mediador entre o povo e Deus. Ao lado de Aarão havia um bode, no qual Aarão colocava a sua mão e simbolicamente transferia todos os pecados que o povo tinha acumulado durante todo o ano. Para terminar o Ritual, chutavam o bode para fora do campo, expulsando assim os seus pecados, para bem longe deles, sendo que daí vem a expressão ‘bode expiatório’. 

A projeção é um mecanismo de defesa do EGO onde a pessoa encontra um objeto externo, fora de si, e descarrega a sua culpa pelo que sente, pelo que deseja, ou pelo que faz, criando ansiedade, desconforto, ou algo que para o inconsciente é inaceitável. Como podemos ver nesta história, o bode era o objeto que recebia a culpa dos filhos de Israel e o qual eles “chutavam” para afastar a culpa deles. 

 

Nós vemos no outro aquilo que não queremos ver em nós. 

 

O que “alimenta” a projeção é a culpa, essa sensação de que existe um erro, um defeito muito grande em nós, que inicialmente tentamos reprimir, negar. Empurramos essa culpa para o “fundo” do nosso inconsciente, onde não vamos dar conta dela. Mas mais cedo ou mais tarde ela vai vir ao de cima e quando isso acontece sentimos uma urgência em fazer algo para nos livrarmos dela. Para isso procuramos um bode expiatório, alguém ou algo, que nos vai ajudar a afastar a culpa, sendo então o culpado do que estamos a sentir.

Quando projetamos a nossa culpa significa que estamos a tirar alguma coisa de dentro de nós mesmos e a estamos a mandar para fora, para outra pessoa, para uma situação, para um grupo de pessoas, etc…

A palavra em si significa “jogar fora”, “atirar algo a partir de”, ou “em direção a alguma outra coisa ou pessoa”, e isso é o que todos nós fazemos quando projetamos a nossa culpa. 

Dizemos: “Isto não está em mim, está em você”, “Eu não sou culpado, tu é que és culpado.”, “Eu não sou responsável por ser miserável e infeliz, tu sim és culpado pela minha infelicidade.”

 

Para o ego, não importa quem seja o outro. 

 

Para o ego, não importa em cima de quem se projeta, contanto que haja alguém para descarregar a culpa. 

É através da projeção que nos livramos da culpa. 

Pegamos os nossos pecados, os nossos defeitos, os nossos erros e dizemos que eles não estão em nós, que estão no outro, e assim colocamos uma distância entre nós mesmos e a nossa culpa por ter aquele pecado, aquele defeito, aquele erro. 

Não queremos estar perto dos nossos próprios erros. Atiramos para o outro e banimos, “chutamos” essa pessoa da nossa vida. 

Há duas formas básicas de “chutar” uma pessoa para fora da nossa vida.

Através da separação física e através da separação psicológica, sendo esta última a mais devastadora e a mais subtil.

No fundo toda a separação é o resultado da projeção, é o querer afastar a culpa de nos sentirmos um erro. Quando isso acontece atacamos ou ficamos com raiva desse outro que agora carrega o peso da nossa culpa.

Qualquer expressão de raiva, seja um leve aborrecimento ou uma fúria intensa, é sempre sinal que estamos a projetar a nossa culpa, não importa qual a razão, por estarmos a sentir raiva.

 

A raiva de alguém ou de algo é sempre resultado da nossa projeção.

 

Não precisamos concordar com o que as pessoas dizem ou fazem, mas no momento em que experimentamos uma reação pessoal de raiva, julgamento ou crítica estamos a projetar algo que negamos existir em nós. 

Ao negar a presença da culpa em nós e ao vê-la em alguma outra pessoa, e depois atacar essa pessoa, dá a ilusão de que nos livramos da nossa culpa. Mas o que não nos damos conta é que ao atacar nos manteremos culpados.

A verdade é  que sempre que atacamos uma pessoa qualquer, seja somente na nossa mente ou fisicamente, sentimo-nos culpados. Não há forma alguma de ferir qualquer um, seja em pensamento ou atos, que não acarrete sentimentos de culpa. 

 

Não conseguimos lidar com a culpa projetando-a, afastando-a de nós.

 

Precisamos identificá-la em nós mesmos e limpá-la, curá-la onde ela está, ou seja, precisamos de “limpar” o nosso inconsciente, o nosso mundo interno, porque é aí que está a fonte da nossa culpa, dos nossos pecados, dos nossos erros, dos nossos defeitos.

Os evangelhos dizem exatamente isso quando lemos as seguintes frases “você deve limpar o interior do seu copo e não o exterior”, “não se preocupe com o argueiro no olho do seu irmão, preocupe-se com a trave no seu”, “não é o que entra no homem que faz com que ele não seja limpo, mas o que vem de seu interior”

Em conclusão, procuramos um “Bode Expiatório” para descarregar a nossa culpa e depois atacamos esse “Bode Expiatório”, o que vai fazer essa nossa culpa aumentar, pois reconhecemos inconscientemente que atacamos aquela pessoa falsamente. É esse ciclo de culpa e ataque que faz o mundo “girar”, não o amor. Se alguém diz que o amor faz o mundo girar, esse alguém não sabe grande coisa sobre o ego.

As dinâmicas nos relacionamentos são de culpa e ataque em vez de relacionamentos de amor. O amor é do mundo de Deus e é possível refletir esse amor neste mundo, mas para isso precisamos de deixar de projetar a nossa culpa, assumir que é nossa e aprender a permitir que o amor de Deus “limpe” a culpa que sentimos.

Categorias: Reflexões